segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A usina mágica

Não é possível mais esconder que Suape é uma colcha de retalhos do oportunismo empresarial e político. Essa lógica foi exposta pela proposta de Suape III, que prevê a construção da maior termelétrica movida a óleo combustível do mundo, ou, a mais suja usina do mundo. Sem qualquer cuidado ou sensibilidade, o governo anunciou como se fosse um Oscar a construção de um empreendimento ambientalmente sujo e duvidosamente necessário.
Quando digo ambientalmente sujo, é porque de tão sujo está em franca decadência em mundo todo, inclusive em nosso País, e aqui chamo atenção para a saúde das pessoas que ficarão expostas a uma poluição atmosférica com altos índices de óxidos de nitrogênio e enxofre; para os empreendimentos de turismo que certamente perderão sua atratividade e para o bolso do consumidor que pagará a conta por isso, já  que mais de 60% do investimento de R$ 2 bilhões vêm do BNDES.
Duvidosamente necessário porque se o sistema nacional é interligado, essa alternativa energética não obrigatoriamente deveria ser construída em Pernambuco, se for, poderia muito bem utilizar um combustível menos poluente e além disso, a geração de empregos é pífia, já que 500 postos de trabalho podem ser obtidos com o funcionamento de um único resort.
Nessa situação as contradições são tantas que não podem ser escondidas, como foi o caso da recente declaração de um secretário sobre o grupo empreendedor, tão ácida quanto a chuva que poderá cair sobre Porto de Galinhas ou o Recife. Então por que propostas como essa, já prontas e formatadas, aparecem como cartas na manga de um mágico? E lembrem que este ano já saiu da cartola um porto inteiro.
A resposta está siplesmente na facilidade com que se pode beneficiar o privado e onerar o público. Sociabilizar os prejuízos nunca foi tão conveniente. Essa prática aumenta enormemente a avaliação econômica dos empreendimentos, ao mesmo tempo em que os danos coletivos facilmente podem ser travestidos de fatalidade, como os ataques de tubarão em Boa Viagem.
Além disso, palavras como “geração de emprego e renda” são sedutoras  em uma região que sempre exportou mão-de-obra. Diante delas, passa quase despercebido o fato de Pernambuco estar recepcionando de forma incondicional empreendimentos rejeitados em outros Estados. E o pior: a velocidade com que isso acontece não permite a compreensão de todos os aspectos negativos e positivos envolvidos, a análise criteriosa e a democratização das decisões. De fato, a usina é dada como certa e ninguém sabe pra que lado vão as perigosas emissões.
Para quem gosta de se lembrar dos avós, o meu dizia que a pressa é inimiga da perfeição. A termelétrica simboliza justamente esse ditado. Sem que houvesse a oportunidade de se pensar, por exemplo, no uso energético das milhares de toneladas de bagaço de cana que mal utilizamos, o Estado aceitou, sem pestanejar, promover o que há de mais arcaico, ultrapassado e nocivo, de forma completamente desatenciosa com sua população e na contra-mão da sustentabilidade que o mundo persegue. Esse lapso ocorreu graças à armadilha instalada nos corredores do governo, que captura automaticamente tudo que possa virar espetáculo e dê gorda bilheteria empresarial e política.
A proposta foi colocada imediatamente em cartaz porque qualquer coisa cifrada em mais de 9 zeros é inquestionavelmente boa, e entusiasma qualquer público, mesmo  que ameace os milhares e milhares de empregos que a indústria do turismo gera em torno de Suape ou destrua a valiosa beleza natural que não custou nada para ser construída. As soluções mágicas podem até maravilhar a platéia naquele instante, mas não passam de ilusão, ao final do show nos restará a crua realidade.

* Leslie Tavares é ecólogo.

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